quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Fundação Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF
Colegiado de Administração
Direito Empresarial
Professor Luiz Antônio Costa de Santana
Turma A3 – 3º Período/2007.2
Alunos: Carlos George Costa da Silva e Victor Menezes Leal


Sociedade Simples Pura e Sociedade Limitada


Introdução


Anteriormente, os critérios para abertura e funcionamento das organizações eram regidos pela Lei do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, Lei nº 8.934 de 18/11/1994, publicada no DOU – Diário Oficial da União em 21/11/1994.
A partir de janeiro de 2003, quando passou a vigorar a Lei nº 10.406 de 10/01/2002, publicada no DOU em 11/01/2002, regulamentou o novo Código Civil Brasileiro, o qual possui uma parte dedicada às empresas, na qual se encontra a legislação vigente das sociedades em geral e dos tipos societários específicos. No presente trabalho optamos por indicar alguns pontos que consideramos insustentáveis ou polêmicos na nova disciplina das sociedades simples pura e nas sociedades limitadas.


Sociedade Simples Pura

A Lei nº 10.406/02, deixou de diferenciar as obrigações civis das comerciais, criando, no âmbito societário, a figura da sociedade simples, se contrapondo à sociedade empresária.
A sociedade simples, em comparação à empresária, tem como principais características:
a) simplicidade de estrutura;
b) presunção de pequeno porte;
c) atuação pessoal dos sócios superando a organização dos fatores de produção.
Numa forma bem singela, pode-se dizer que a sociedade simples é a sociedade não empresária.
Dispõe o artigo 983 do novo diploma civil pátrio que a sociedade empresária deve revestir-se de um dos seguintes tipos societários:
1) em nome coletivo;
2) em comandita simples;
3) em comandita por ações;
4) limitada;
5) sociedade anônima.
A sociedade simples pode adotar um desses tipos, com exceção das sociedades por ações (comandita por ações e sociedade anônima). Caso não o faça, entende-se que se constituirá sob o tipo de sociedade simples pura (artigos 997 – citado abaixo no tópico relacionado às limitadas - e 1.038 do NCC).

Art. 1.038. Se não estiver designado no contrato social, o liquidante será eleito por deliberação dos sócios, podendo a escolha recair em pessoa estranha à sociedade.
§ 1º O liquidante pode ser destituído, a todo tempo:
I - se eleito pela forma prevista neste artigo, mediante deliberação dos sócios;
II - em qualquer caso, por via judicial, a requerimento de um ou mais sócios, ocorrendo justa causa.
§ 2º A liquidação da sociedade se processa de conformidade com o disposto no Capítulo IX, deste Subtítulo.”

Dentre as vantagens da Sociedade Simples Pura em relação a outros tipos societários, especialmente sobre a sociedade limitada, tenha esta natureza simples ou empresária, podemos destacar:

1) É o único tipo societário que aceita sócio de serviço;

2) Não obstante o disposto no artigo 977 do novo Código admite, na mesma sociedade, sócios que sejam casados, entre si, ainda que pelo regime da comunhão universal de bens ou pelo regime da separação obrigatória;

3) Não está sujeita, para efeito de tomada de decisões sociais, à realização de reuniões e, muito menos, ao formalismo das assembléias, como ocorre, verbi gratia (expressão latina que significa “por exemplo”), na sociedade limitada, particularmente quando esta for composta por mais de 10 (dez) sócios, com todas as suas regras de convocação e quoruns de instalação e deliberação. Por via de conseqüência, a sociedade simples pura não está obrigada a manter livros de atas de reuniões ou assembléias, indispensáveis para a sociedade limitada (vide artigos 1.062, 1.067 e 1.075 do CC/02):

Art. 1.062. O administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo mediante termo de posse no livro de atas da administração.
§ 1º Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes à designação, esta se tornará sem efeito.
§ 2º Nos dez dias seguintes ao da investidura, deve o administrador requerer seja averbada sua nomeação no registro competente, mencionando o seu nome, nacionalidade, estado civil, residência, com exibição de documento de identidade, o ato e a data da nomeação e o prazo de gestão.”

Art. 1.067. O membro ou suplente eleito, assinando termo de posse lavrado no livro de atas e pareceres do conselho fiscal, em que se mencione o seu nome, nacionalidade, estado civil, residência e a data da escolha, ficará investido nas suas funções, que exercerá, salvo cessação anterior, até a subseqüente assembléia anual.
Parágrafo único. Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes ao da eleição, esta se tornará sem efeito.”

Art. 1.075. A assembléia será presidida e secretariada por sócios escolhidos entre os presentes.
§ 1º Dos trabalhos e deliberações será lavrada, no livro de atas da assembléia, ata assinada pelos membros da mesa e por sócios participantes da reunião, quantos bastem à validade das deliberações, mas sem prejuízo dos que queiram assiná-la.
§ 2º Cópia da ata autenticada pelos administradores, ou pela mesa, será, nos vinte dias subseqüentes à reunião, apresentada ao Registro Público de Empresas Mercantis para arquivamento e averbação.
§ 3º Ao sócio, que a solicitar, será entregue cópia autenticada da ata.”

4) Sua contabilidade é mais simplificada, não estando obrigada, como acontece com a limitada, a um sistema de escrituração contábil contendo regras bastante estritas (artigos 1.179 a 1.195 do CC/02), que, pelas repercussões fiscais que ensejam, representam induvidosos ônus para seus destinatários:

Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
§ 1º Salvo o disposto no art. 1.180, o número e a espécie de livros ficam a critério dos interessados.
§ 2º É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970.”

Art. 1.195. As disposições deste Capítulo aplicam-se às sucursais, filiais ou agências, no Brasil, do empresário ou sociedade com sede em país estrangeiro.”

5) No tocante à tomada de contas dos administradores, segue um rito menos formal do que aquele previsto para a sociedade limitada;

6) A responsabilidade dos sócios pode ser limitada ou ilimitada, dependendo do que declararem no contrato social. Se, nos termos do inciso VIII do artigo 997 da lei nº 10.406/02, mencionarem que não respondem subsidiariamente pelas obrigações sociais, a responsabilidade deles será limitada. Caso contrário, em indicando que respondem subsidiariamente pelas obrigações sociais, terão responsabilidade ilimitada, podendo-se afirmar que o regime da responsabilidade dos sócios, na sociedade simples pura, é uma prerrogativa daqueles, a ser definida no contrato social, não sendo obrigatória a adoção da responsabilidade subsidiária e, muito menos, em nenhuma situação, a menos que desejem, da responsabilidade solidária, diferentemente do que ocorre em relação à sociedade limitada (vide artigo 1.052 e o parágrafo 1º do artigo 1.055, CC/02):

Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.”

Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio.
§ 1º Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.
§ 2º É vedada contribuição que consista em prestação de serviços.”


7) Não está sujeita à falência. Neste aspecto ver a recentíssima lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2.005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária;

8) Quanto à denominação (artigo 997, II do NCC), contrariamente do que sucede com a sociedade limitada (parágrafo 2º do artigo 1.158 do NCC), não é requerido que contenha elemento indicativo do objeto social, nem que a denominação venha acrescida de qualquer expressão designativa da natureza ou do tipo societário;

9) Para o aumento do capital social, nenhuma exigência é imposta, diversamente do que acontece com a sociedade limitada, para a qual se obriga, como conditio sine qua non, a efetiva integralização do capital (artigo 1.081 do NCC):

Art. 1.081. Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital aumentado, com a correspondente modificação do contrato.
§ 1º Até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para participar do aumento, na proporção das quotas de que sejam titulares.
§ 2º À cessão do direito de preferência, aplica-se o disposto no caput do art. 1.057.
§ 3º Decorrido o prazo da preferência, e assumida pelos sócios, ou por terceiros, a totalidade do aumento, haverá reunião ou assembléia dos sócios, para que seja aprovada a modificação do contrato.”

10) O mesmo se observa para a redução de capital, já que o Código não impõe regras relativamente à sociedade simples pura. Entretanto, a lei traça regras destinadas à sociedade limitada. Assim, a redução de capital nesta sociedade só poderá ser deliberada se ficar caracterizado ter havido perdas irreparáveis após a integralização do capital ou ser ele excessivo em relação ao objeto social (vide artigos 1.082 e 1.084 do NCC):

Art. 1.082. Pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do contrato:
I - depois de integralizado, se houver perdas irreparáveis;
II - se excessivo em relação ao objeto da sociedade.”

Art. 1.084. No caso do inciso II do art. 1.082, a redução do capital será feita restituindo-se parte do valor das quotas aos sócios, ou dispensando-se as prestações ainda devidas, com diminuição proporcional, em ambos os casos, do valor nominal das quotas.
§ 1º No prazo de noventa dias, contado da data da publicação da ata da assembléia que aprovar a redução, o credor quirografário, por título líquido anterior a essa data, poderá opor-se ao deliberado.
§ 2º A redução somente se tornará eficaz se, no prazo estabelecido no parágrafo antecedente, não for impugnada, ou se provado o pagamento da dívida ou o depósito judicial do respectivo valor.
§ 3º Satisfeitas as condições estabelecidas no parágrafo antecedente, proceder-se-á à averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata que tenha aprovado a redução.”

11) O quorum necessário para a decisão de dissolução de uma sociedade simples pura, de acordo com o artigo 1.033 do CC/02, dá-se por consenso unânime dos sócios ou por maioria absoluta, caso a sociedade seja constituída por prazo indeterminado. Para a sociedade limitada, esse quorum passa a ser de 75% (setenta e cinco por cento), "ex vi" do disposto no artigo 1.071, VI, combinado com o artigo 1.076, I do CC/02;

12) A sociedade simples pura, por ter natureza simples, isto é, não empresária, não corre o risco, sob o ponto de vista tributário, de perder isenção fiscal, especialmente em relação à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e ao Imposto sobre Serviços (ISS).

Diante de tantos benefícios, é de se concluir que a sociedade simples pura é um novo tipo societário que merece ser descoberto e utilizado, pois, sobretudo, proporcionará vantagens aos sócios e seus prepostos (administradores não sócios e contabilistas), quer sob o aspecto de economia (de tempo e financeira), quer sob o aspecto de responsabilidades.


Sociedade Limitada

Regras aplicáveis nos casos de omissão do capítulo próprio das limitadas

A questão das normas que devem reger as limitadas quando o capítulo próprio do Código Civil for omisso decorre do art. 1.053, assim redigido:

"Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único: O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima".

A forma de organização do artigo (regras separadas no caput e no parágrafo único) poderia gerar a dúvida de que, mesmo havendo previsão de regência supletiva pela lei das sociedades anônimas, ainda assim valeriam de alguma forma as normas da sociedade simples. Entendemos contudo que tal interpretação seria equivocada. A regra que parecia obrigatória no caput do artigo na verdade não é, posto que imediatamente flexibilizada no parágrafo único com a possibilidade de estipulação diversa no contrato social.
Tanto o caput quanto o parágrafo único do art. 1.053 dispõem sobre exatamente a mesma matéria, não podendo conviver as duas regras em uma única sociedade. O que existe é apenas uma diferença na forma de redação dos dispositivos. O caput utiliza a linguagem das omissões no capítulo das limitadas, enquanto que o parágrafo único menciona diretamente a regência supletiva pelas normas da sociedade anônima. Nos dois casos, entretanto, trata-se de quais serão as normas supletivas aplicáveis nas hipóteses de omissão das normas principais. Assim, parece-nos que a escolha das normas da sociedade anônima para suprir as omissões do capítulo das limitadas afasta inteiramente a aplicação das normas da sociedade simples.
A forma de organização do artigo e sua redação podem ter uma explicação histórica. O texto original do projeto de alteração do Código Civil, elaborado na década de 70, não tinha o parágrafo único. Portanto, existia apenas a regra estipulando a aplicação das normas da sociedade simples em caso de omissão. O parágrafo único foi incluído posteriormente exatamente para oferecer a opção de escolha pelas normas da sociedade anônima, o que reforça nossos argumentos aqui apresentados.
A definição desse posicionamento é fundamental. Inicialmente porque parece bem mais adequado que as omissões nas limitadas sejam supridas pela lei das sociedades anônimas do que pelo capítulo das sociedades simples. As sociedades limitadas possuem muito mais pontos de afinidade com as sociedades anônimas do que com as sociedades simples. Vários institutos e estruturas aparecem igualmente nas limitadas e nas anônimas, como por exemplo assembléia de sócios e conselho fiscal, inclusive com regras similares. Somente o fato de que a responsabilidade dos sócios nas sociedades simples é ilimitada, enquanto que nas sociedades limitadas e nas sociedades anônimas tal responsabilidade é limitada, já torna nítida a diversidade dos regimes jurídicos.
Além dos motivos citados no parágrafo anterior, várias situações não seriam razoáveis do ponto de vista societário caso fossem aplicadas as normas da sociedade simples às sociedades limitadas. Se não fosse possível escolher contratualmente a aplicação supletiva das normas da sociedade anônima, podemos imaginar que as empresas que normalmente utilizariam a forma de sociedade limitada passariam a adotar a forma de sociedade anônima só para evitar o regime supletivo da sociedade simples.

Possibilidade de pessoa jurídica atuar como administrador em sociedade limitada

O art. 1.060 do novo Código Civil aponta que a administração da sociedade limitada compete a uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado:

Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado. Parágrafo único. A administração atribuída no contrato a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade.”

Neste artigo não é feita qualquer especificação quanto à necessidade do administrador ser pessoa física. A regra é diferente por exemplo daquela encontrada no art. 997, que dispõe expressamente sobre a indicação das pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade simples:

Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.
Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato.”

É certo que ao regular a investidura de administradores designados em ato separado, o art. 1.062 exige a qualificação de seu estado civil, residência e outros elementos que indicam tratar-se de pessoa física. Isso não impediria, em tese, que uma pessoa jurídica fosse nomeada para administrar a sociedade no próprio contrato social. Todos os atos de gestão que dependessem do administrador pessoa jurídica seriam conduzidos de acordo com o critério de representação do administrador (nos termos de seu estatuto ou contrato social), valendo a assinatura dos seus representantes como em qualquer ato onde a pessoa jurídica obriga-se validamente.
Apesar de aparentemente não haver impedimento legal, a questão da administração ser exercida por pessoas jurídicas gera diversas controvérsias. A primeira reação da maioria dos envolvidos com esses assuntos provavelmente seria afirmar sua impossibilidade. Do ponto de vista prático, mais relevante ainda será o posicionamento adotado pelas Juntas Comerciais, que permitirão ou não o registro de contrato social com designação de administrador pessoa jurídica. A publicação do novo Código Civil é um bom momento para ser retomado esse debate, que andou um pouco esquecido porque todos se acostumaram com o regime anterior onde a pessoa jurídica sempre delegava seus poderes de administração a uma pessoa física.

Responsabilidade ilimitada após exclusão de sócio não pode valer para limitadas

Ao tratar da exclusão de sócio minoritário em sociedade limitada, o novo Código Civil menciona no art. 1.086 que também deverá ser observado o disposto em seu art. 1.032. Ocorre que a aplicação do art. 1.032 significaria uma ruptura direta com os princípios básicos que regem as sociedades limitadas:

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.”

No art. 1.032 é contemplada a responsabilidade pessoal do sócio excluído pelas obrigações sociais anteriores, que subsistiria até dois anos após a exclusão ou, ainda, pelas obrigações sociais posteriores caso não seja averbada a resolução parcial da sociedade referente à exclusão do sócio.
Ora, os sócios de uma limitada somente são responsáveis pela integralização do capital da sociedade, tal como previsto no art. 1.052. Exceto em circunstâncias excepcionais onde se aplica a desconsideração da personalidade jurídica, os sócios, como regra, não respondem pelas obrigações da sociedade. Seria absurdo imaginar que o sócio de uma limitada passasse a responder pelas obrigações sociais quando fosse excluído da sociedade.
A título de esclarecimento, o art. 1.032 faz parte do capítulo da sociedade simples, sendo que sua suposta aplicação às limitadas decorreria da referência feita no art. 1.086, este sim integrante do capítulo das sociedades limitadas. O artigo somente faz sentido nas sociedades simples porque nelas a responsabilidade dos sócios é ilimitada. Como visto acima, mais uma vez mostra-se incompatível o regime jurídico desses dois tipos societários.
Não há como explicar que exista dispositivo na lei dispondo sobre a responsabilidade do sócio excluído pelas dívidas de uma sociedade limitada. Tal dispositivo não pode ser conciliado com o art. 1.052, que repete a já consagrada regra de responsabilidade limitada dos sócios. Diante desse conflito, entendemos que para as sociedades limitadas não pode prevalecer o disposto no art. 1.032.

Responsabilidade por passivo descoberto também não pode valer para limitadas

Assim como no item anterior, entendemos que também não pode prevalecer com relação às sociedades limitadas o disposto no art. 1.103, inciso V. O dispositivo aparece na seção que regula a liquidação das sociedades, constituindo em princípio matéria de aplicação genérica para qualquer tipo societário:

Art. 1.103. Constituem deveres do liquidante:
I - averbar e publicar a ata, sentença ou instrumento de dissolução da sociedade;
II - arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade, onde quer que estejam;
III - proceder, nos quinze dias seguintes ao da sua investidura e com a assistência, sempre que possível, dos administradores, à elaboração do inventário e do balanço geral do ativo e do passivo;
IV - ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas;
V - exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabilidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente;
VI - convocar assembléia dos quotistas, cada seis meses, para apresentar relatório e balanço do estado da liquidação, prestando conta dos atos praticados durante o semestre, ou sempre que necessário;
VII - confessar a falência da sociedade e pedir concordata, de acordo com as formalidades prescritas para o tipo de sociedade liquidanda;
VIII - finda a liquidação, apresentar aos sócios o relatório da liquidação e as suas contas finais;
IX - averbar a ata da reunião ou da assembléia, ou o instrumento firmado pelos sócios, que considerar encerrada a liquidação.
Parágrafo único. Em todos os atos, documentos ou publicações, o liquidante empregará a firma ou denominação social sempre seguida da cláusula “em liquidação” e de sua assinatura individual, com a declaração de sua qualidade.”

Novamente o problema se refere ao princípio básico de limitação da responsabilidade dos sócios. Nos termos do artigo comentado, o liquidante da sociedade deveria exigir não só a integralização do capital, mas também outras quantias necessárias para cobrir eventual insuficiência do ativo frente ao passivo.
A exigência de quantias adicionais eqüivale a estender a responsabilidade dos sócios além dos limites do art. 1.052, que conforme indicado acima apresenta a regra fundamental de que os sócios de sociedade limitada não respondem pessoalmente pelas dívidas sociais.
É realmente difícil entender como questões como essa não foram objeto de maior cuidado, passando desapercebidas no processo legislativo e sendo ignoradas na hora de possíveis vetos presidenciais. Uma coisa porém é certa. Cabe ao intérprete da lei identificar para qual tipo societário a regra pode ser aplicada, o que certamente não é o caso das sociedades limitadas.

Referências:
SIQUEIRA, Graciano Pinheiro de. Sociedade simples pura:vantagens em relação a outros tipos societários, especialmente sobre a sociedade limitada. Jus Navigandi http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6403 em 14/10/2007.
TOZZINI, Syllas; BERGER, Renato. Sociedades limitadas no novo Código Civil. Alguns pontos insustentáveis ou no mínimo polêmicos. Jus Navigandi http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2803 em 12/10/2007.
Novo Código Civil. Lei nº 10.406, de 10.01.2002 - DOU 1 de 11.01.2002

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